domingo, 16 de março de 2014

JORNAL, CIDADE E CIDADANIA


A época em que vivemos poderá ser conhecida como o período da Revolução das Comunicações. Há trinta anos, cinco agências de notícias dominavam praticamente todo o noticiário internacional e os veículos de comunicação eram televisão, jornal e rádio.  Uma pessoa para “ter assunto” precisava de contato cotidiano com estes veículos, uma pessoa para “ser assunto” precisava integrar uma estreita elite da economia, política, esportes, cultura, televisão. As próprias residências refletiam uma hierarquia que desapareceu: o principal cômodo da casa era a sala, cujos móveis convergiam diretamente para a tevê.  Ali se reunia a família, todos os dias, para ver novela, então um programa feminino; futebol, sendo que a tevê tinha que se adequar ao horário do jogo; ou um filme que havia passado nos cinemas há muitos anos.

Foram muitas mudanças em pouco tempo. Hoje é comum que produções cinematográficas estreiem simultaneamente na telona e na telinha, toda a programação esportiva obedeça às regras da tevê, as novelas reúnam as mais diferentes faixas da população, os quartos das casas até possuam tevê, ainda que ela esteja longe de ser o principal veículo de comunicação. Para ter ou para ser assunto só é preciso que nos conectemos à internet para o que basta o celular. Ficam simplesmente excluídos das conversas os poucos sem conexão, enquanto as fontes de informação são centenas de milhões.

Rádio, jornal e tevê vivem profunda crise. Obsecados pela imagem, a qual estrangulou o espaço do texto, os veículos de imprensa perdem-se em inglória tentativa de reproduzir o padrão da internet: notícias superficiais, curtíssimas. Há, no entanto, um espaço ainda pouco explorado para reportagens e análises. Se parece tão atual o questionamento de Caetano de quarenta nos atrás – “quem lê tanta notícia?” – nada mais relevante que a crônica do cotidiano sobre a realidade próxima, a análise das notícias que abalam a todos.

Sempre, é claro, com qualidade. Com tantas fontes, não há mais espaço para o forte direcionamento ideológico que se tinha antes, mas a relação entre os fatos, o descortinar da superficialidade e dos interesses por trás das matérias, o acolhimento à diversidade de opiniões são desafios que precisam ser enfrentados decisivamente. 

O mesmo olhar diferenciado para o cotidiano que caracterizam o fotógrafo, o filósofo e o artista é o maior instrumento para o jornalismo em nossos dias. A ligação institucional com a comunidade, com as bandeiras de melhoria da cidade, o equilíbrio entre revisar e acolher o ponto de vista do leitor, na redação de cada notícia, são os instrumentos que dão ao jornalismo regional a originalidade que nenhum outro veículo possui. Por isso, por ocasião dos parabéns ao Jornal, merecem congratulações especiais os leitores que se manifestam, os editores que garantem espaço ao seu ponto de vista e, muito especialmente, os jornalistas que buscam, todos os dias, a identificação e a contribuição com a formação de um cidadão crítico, participativo e consciente de sua importância para a coletividade. 

(Reflexão produzida para a ocasião dos 120 anos do jornal A Tribuna)

Maurício de Araújo Zomignani é assistente social. E-mail:mauzomi@ig.com.br

PARA IR ALÉM DAS MANIFESTAÇÕES


Nem terminaram as manifestações de desempregados na Espanha, ou a chamada “Primavera Árabe”, nas quais milhares de jovens foram às praças, tal movimento se repetiu na Ucrânia, sempre temperado com um desejo de mudança rumo a uma democracia real.

Ao militante político brasileiro é paradoxal o sentimento de já ter passado por isso e, ao mesmo tempo, de ser tudo muito novo. Na reação ao golpe militar, lutava-se pela liberdade de organização e manifestação, pelo direito de votar para governador, pela anistia, por uma assembléia nacional constituinte, por eleições diretas para presidente, depois pelo  empeachment do presidente. Em meio a tudo isso, estruturamos políticas sociais universais, estatais, municipalizadas e participativas, em áreas como: Saúde, Criança e Adolescente, Educação, Assistência Social, Idoso.

Foram importantes conquistas. A mais importante delas foi a escola de protagonismo sócio-político que todas as lutas representaram a milhares de brasileiros a partir de sindicatos, centros acadêmicos, comunidades de base, movimentos populares, organizações não governamentais, partidos políticos, com marcante rivalidade sobre qual destas instituições propiciaria melhor formação aos militantes, maior transformação ao país.

Com o pluripartidarismo e a absorção das lideranças pelas estruturas de poder acirrando a competição entre as organizações, culminando com as centenas de manifestações de jovens ocorridas em 2013, ficou claro que nenhuma das instituições geradas nessas décadas de lutas mostra-se capaz de liderar a vontade de mudança. Ao contrário, as manifestações mostram-se contrárias a governos, denunciam a insuficiência de políticas públicas, rechaçam sindicatos e partidos políticos.

Será o fim da democracia representativa? A democracia direta praticada nas manifestações é uma das mais caras bandeiras do anarquismo, mas nem os mais radicais anarquistas vislumbram uma forma de organização do Estado que consiga prescindir da Democracia Representativa já para coletividades municipais, que dirá para estados e para o país.

Para sairmos do impasse, cabe-nos questionar. Que acontecerá com as instituições que não se revirem dentro do quadro atual? Haveria viabilidade, pelo menos entre as lideranças mais maduras e conscientes do momento, de estabelecermos novas relações entre as múltiplas instâncias participativas e com toda a sociedade?

Entendemos que aqueles que conseguirem se situar ao largo das encarniçadas disputas eleitorais, para muito além da bárbara, terrorista e irresponsável guerra pela internet, devem, neste momento, propor a construção de um sistema de cooperação, uma Política Pública de Transparência, Participação e Controle Social, aos moldes das demais políticas públicas criadas pós Constituição de 1988. Com isso, estarão propondo um resgate transformador das instituições, que revigorará a cidadania e ampliará o controle sobre as instituições democráticas, absorvendo e direcionando grande parte do desejo de mudança que atinge toda a sociedade.

Maurício de Araujo Zomignani é assistente social e membro do Fórum da Cidadania de Santos. E-mail: mauzomi@ig.com.br

domingo, 16 de fevereiro de 2014

JUVENTUDE: PROTESTO, LAZER OU CRIME?


Erro grave esse de chamar o que aconteceu no supermercado em Santos de rolezinho. Qualquer pessoa lúcida sabe que o nome do ocorrido é arrastão, evento com clara finalidade de roubo, agressão e depredação, enquanto o primeiro tem foco no lazer, no consumo, no encontro.

Já vivemos numa sociedade fracionada por muros que separam pessoas de acordo com o nível de renda, na qual a mais poderosa força que os ultrapassa é a mídia. Se ela fala há tantas décadas, inclusive à massa com menor poder aquisitivo, que a realização será encontrada por trás dos muros dos que mais consomem, fabrica, inevitavelmente, uma enorme vontade de pular muros.

Muito suscetíveis ao apelo do consumo e com uma evidente necessidade de autoafirmação, os jovens vêm sendo protagonistas sociais, políticos e econômicos ainda mais destacados do que sempre foram. Se alguns escolheram as ruas para se manifestar, outros têm como foco os símbolos do consumo.

Mas a mente humana também tem fronteiras, sabem os que lidam com o comportamento. Não é porque foram inoculados com frustração irresponsavelmente pela publicidade – insatisfação multiplicada pela falta de espaços esportivos, culturais, profissionais – que todos os jovens de baixa renda dispõem-se a invadir shoppings às centenas, correr, gritar para dizer, sem falar: quero consumir, e existir.

São ainda em número muito menor aqueles que se dirigem a supermercados para roubar e agredir. É preciso atravessar outra fronteira do comportamento humano para chegar à infração e à violência mas, precisamos ficar alertas, os movimentos de  jovens partem de uma mesma insatisfação, frustração e necessidade de serem reconhecidos, de terem espaços de realização.
A postura das instituições, dos meios de comunicação e da classe média pode reconhecer a diferença dos grupos, colocar-se diferentemente, agir pedagogicamente, ou juntar tudo, apavorados, como fossem eles uma ilha de incluídos e cidadãos cercada de criminosos por todos os lados, tornando essas relações sociais uma guerra sem vitória possível.

É preciso perceber a importância de cada passo e das nossas atitudes. Os próprios supermercados e shoppings têm sido mais lúcidos que muitas discussões pela internet e pelas ruas. Falta exigirmos, toda a sociedade e com urgência, políticas públicas que acolham a energia da juventude e estimule-a a caminhos de realização e transformação crítica da sociedade, em relação à qual os adultos também estão muito insatisfeitos, mas já sem tanta dessa importantíssima energia de mudança. 

Conta-se que um índio, ao falar da natureza humana, disse que trazia dentro de si dois cachorros: um era manso e fiel, outro violento e imprevisível. Seu interlocutor, impressionado, perguntou-lhe qual dos dois prevaleceria, ao que ele respondeu: aquele que eu alimentar. Pois quem agir com a juventude como se ela fosse um risco para si, estará transformando-a, em reação, numa ameaça real, numa aspiral de medo e dor.  
Protestos, lazer ou crime? A resposta, a ser dada pelos jovens, depende de uma atitude adulta agora.

(por Maurício de Araújo Zomignani em fevereiro de 2014)

segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

O ROLEZINHO E A INFELICIDADE PROGRAMADA

Meados dos anos 70 e os estúdios Hanna Barbera apresentaram uma série de desenho animado reunindo personagens, como: Pepe Legal, Dom Pixote, Pop pai e Pop filho, Leão da Montanha, Zé Colméia e Catatau. Chamava-se a Arca do Zé Colméia e o enredo girava em torno de viagens realizadas pela turma, que passava o tempo olhando a paisagem e se divertindo numa arca de Noé que voava, exceção ao personagem Maguila, um enorme gorila que ficava o tempo todo no porão. Ocorre que a embarcação toda se movimentava através de uma hélice cujo motor era uma esteira rolante, sobre a qual ficava o gorila, tendo à sua frente um vistoso cacho de bananas que, buscado e jamais alcançado, fazia mover toda a engrenagem.

Para além da diversão, o desenho ajuda a pensar o funcionamento da sociedade, ainda mais em tempos de rolezinho, fenômeno social no qual jovens da periferia de São Paulo têm invadido às centenas shopping centers de luxo causando pavor a consumidores, lojistas e preocupação à Segurança Pública. É claro que eles têm que se preocupar: como poderiam se sentir os personagens do desenho se, de repente, o Maguila simplesmente subisse ao convés? No desenho, isso jamais aconteceu.

Mas o Maguila somos nós. As bananas, é claro, são a felicidade que nos é prometida através do consumo mas, assim como o motor à gasolina é chamado de motor à explosão por ser através da explosão controlada que é gerada a energia, o que move a sociedade é um motor à insatisfação. Nós movimentamos toda a sociedade pelo consumo, o qual, centrado apenas nas necessidades objetivas dos seres humanos, logo se percebeu, não seria suficiente para movimentar a ganância dos personagens sociais que querem viajar e divertir-se apropriando-se do sacrifício da massa de Maguilas. Foi assim que surgiu a necessidade da propaganda, que incute permanentemente novas necessidades, e a obsolescência programada.

A obsolescência programada é uma estratégia de mercado surgida nos países capitalistas nas décadas de 1930 e 1940 que visa garantir um consumo constante através da insatisfação, de forma que os produtos que satisfazem as necessidades daqueles que os compram parem de funcionar ou tornem-se obsoletos em um curto espaço de tempo, tendo que ser obrigatoriamente substituídos de tempos em tempos por mais modernos.
Acontece que os magos da manipulação das massas não conseguiram prever o óbvio. Se durante séculos nós Maguilas, hipnotizados pelas bananas, nada mais conseguimos fazer senão correr atrás delas, a revolução da comunicação ocorrida nas últimas décadas, e o acúmulo de insatisfação, tem gerado gorilas que estão resolvendo descer da esteira rolante, pegar o cacho inteiro e invadir o andar superior para curtir a paisagem, não importa o que aconteça com a Arca.

Discute-se apenas estratégias de repressão, no máximo denuncia-se a urgência de uma Política de Juventude. Será que não é hora dos personagens repensarem a Arca, projetar uma engrenagem que, ao invés da ilusão de satisfação para alguns com base na insatisfação de muitos pense numa sociedade realmente para todos?


por Maurício de Araújo Zomignani em Janeiro de 2014 

O PIOR GASTO PÚBLICO DO BRASIL

A cena, fortíssima, foi divulgada nos sites de notícias em um vídeo produzido na penitenciária de Pedrinhas, Maranhão, pelos próprios detentos. Uma facção, para punir um adversário, antes de matá-lo, dedicou-se à retirada da pele de um amplo trecho de sua perna, diante do horror do torturado e de quem teve coragem para assistir o vídeo. Cabe ao Estado, claro, a responsabilidade imediata sobre tal barbaridade, mas, na medida em que situações semelhantes existam mesmo no estado de São Paulo, com dinheiro público, e na proporção em que tal sistema nunca foi discutido pela sociedade, quem não estará se sentindo responsável por isso?

Deixadas de lado as ideologias que opõem grupos que se isolam, à direita, na defesa de um Estado omisso socialmente, a título de respeitar a livre iniciativa e o mercado e, à esquerda, na proposta de um Estado centralizador e ineficiente, a título de intervir nas desigualdades sociais – ainda que tais grupos, no poder, tenham desenvolvido práticas frontalmente opostas aos seus discursos –, o fato é que o Brasil vem se defrontando com os resultados do mais eloquente exemplo de mau gasto dos recursos públicos: o realizado no sistema penitenciário.

O mau gasto, é claro, não se deve à quantia de dinheiro destinada ao sistema, R$ 3.312,00 por preso federal, segundo o Ministério da Justiça, mas essencialmente ao seu resultado. O que o detento obtém do sistema penitenciário? É muitíssimo mal tratado pelo Estado, pelos rivais, pela sociedade, não havendo notícias de um programa eficaz de ressocialização de criminosos no Brasil. Aliás, sequer há dados confiáveis, trabalhando os estudiosos com taxas de reincidência em torno de 70% (apontando-se em Portugal, por exemplo, para taxas de 50%). Mas o que a sociedade ganha com nosso sistema penitenciário? A resposta seria óbvia: o afastamento dos criminosos da vida social.

Mas não é bem assim. Se nossas prisões são ambientes estimuladores de monstruosidades que, evidentemente, pioram muito o ser humano, pouco importa quanto se gaste para isso, ainda que as somas totais sejam consideráveis. Cabe promovermos, nesse momento, a certeza de que se trata de uma vingança burra, na medida em que tira das ruas, todos os dias, alguns milhares de seres perniciosos, tortura-os, e devolve, também todos os dias, uma quantidade similar de seres com um grau de periculosidade muito pior do que entraram. Daí provém a inevitável conclusão: este é o pior gasto público possível.

Vamos passar, com as eleições, por mais uma oportunidade fundamental para discutir políticas públicas e é preciso fortalecer a idéia de que, dessa vez, partidos, candidatos e eleitores – assim como técnicos e instituições de ciências humanas – não podem se limitar a discutir quantos presídios serão construídos, mas que avancemos no sentido da criação de uma política pública de ressocialização que respeite os direitos dos presos, diminua a reincidência e recupere o maior número de detentos para efetivamente avançar na missão, urgente, de proteção da sociedade.

por Maurício de Araújo Zomignani em Janeiro de 2014

VIOLÊNCIA JUVENIL OU VIOLÊNCIA ESTATAL?

“A espiral de violência vem aumentando. Estou preocupada com o que possa vir a acontecer no ano que vem” Esther Solano Gallego, pesquisadora espanhola.

Significativo que institutos de pesquisas, imprensa e população preocupe-se tanto em se declarar a favor da redução da maioridade penal (92.7%), das manifestações (81,7 %) e contra as ações dos grupos que promovem depredações nas ruas brasileiras (93,4% - segundo pesquisas CNT/ DNA recentes). Nessa mesma linha têm se posicionado o Ministro da Justiça e o Governador de São Paulo, defendendo a adoção de ações de repressão e leis mais duras.

A autora da frase que encabeça esse artigo, no entanto, é pesquisadora, professora da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) e resolveu ir mais fundo. Após doutorar-se em ciências sociais veio ao Brasil em 2011 e, desde junho de 2013 foi às ruas, primeiro como manifestante, depois para entrevistar 30 jovens de diferentes grupos que usam táticas black blocs, para procurar entender suas motivações.

A vivência com esses grupos e as medidas duras anunciadas pelas autoridades, fizeram com que declarasse que “o problema será entrar numa dinâmica de ação-reação violenta na qual as posturas dos dois lados endureçam”. Ao invés de ser contra ou a favor, ou de propor repressão, ela entende que “vale a pena perguntar por que esses jovens chegaram ao ponto de enxergar na violência a única forma de ser escutados”.

Não é difícil constatar um imenso vazio onde deveria haver ações voltadas à juventude. A política de esporte, mesmo diante dos megaeventos que iremos sediar, volta-se aos que alcançaram o alto rendimento, com enormes sacrifícios, promovendo raras e dispersas ações voltadas ao trabalho de base. Os programas culturais oferecem oficinas extremamente elitizadas tanto nas temáticas quanto na própria localização dos serviços. A educação, a par do discurso em defesa da cidadania, impõe regimentos, gestões e punições sem o mínimo espaço para manifestação dos jovens. O desemprego nesta faixa é o triplo da média, os grupos de jovens de igrejas e clubes de servir são, quase sempre, dirigidos pela lógica dos adultos.

Não podemos oferecer à juventude apenas autoritarismo, leis mais duras e repressão – ainda que esta, sem dúvida, seja necessária para coibir os excessos – como fosse possível apagar um incêndio com baldes de gasolina. Passou do tempo da sociedade e governos articularem programas voltados às reais demandas da juventude integrados numa Política de Atendimento baseada no protagonismo infanto-juvenil.
O oferecimento de alternativas e o apoio àquelas formuladas pelos jovens são fundamentais para a destinação efetiva da tremenda energia realizadora e transformadora própria da juventude. Lembremos dos terríveis acidentes com panelas de pressão com válvula entupida, mas também que a revolução industrial aconteceu devido às maravilhas do motor à vapor.

O ano que vem terá dois alvos preferenciais anunciados pelos black blocs: Copa do Mundo e Eleições. Investiremos em uma Política de Atenção à Juventude ou apenas em repressão?

por Maurício de Araújo Zomignani em Novembro de 2013 

Cérebro e Sexo

É quase impossível investigar o cérebro sem fazer um paralelo com o comportamento sexual humano. Um informe rápido do funcionamento do órgão dirá que ele reparte suas múltiplas funções entre hemisférios, referindo-nos a uma camada de quatro milímetros de espessura chamada córtex, responsável pelas capacidades superiores, que recobre as duas metades. O hemisfério esquerdo é o da razão, mostra-se apto às relações lógicas em lapsos de tempo, separa as totalidades abordando uma parte por vez e concentra-se em cada uma mostrando persistência em acabar o que começou. Já o hemisfério direito, incumbido da criação, trabalha simultaneamente com unidades conjuntas e com coerência, é mais flexível, muda facilmente de plano, mostra-se capaz de fazer associações entre o linguístico e a experiência concreta.
A relação entre os hemisférios é uma ligação densa e nervosa. Curiosamente o hemisfério esquerdo controla a parte direita e o direito controla a parte esquerda do corpo. A associação com o comportamento e com a relação entre os sexos é evidente, mas é importante também perceber a interdependência e a relação não hierarquizada entre ambos – os hemisférios, é claro – pois dizem os estudos que os dois lados cooperam de forma tão grande que, se um deles não funcionar, o outro tem muita dificuldade em aguentar-se. É possível até ampliar a comparação para perceber o quanto um lado tem se habilitado às capacidades do outro – os sexos, é claro – especialmente nas últimas décadas.
Mais ainda, podemos pensar sobre o plano da própria Criação para os sexos. A absoluta necessidade que um tem do outro – e não apenas para a manutenção da espécie, como se vê – para os aspectos mais essenciais da vida, vem se aprofundando com o aprendizado que um proporciona ao outro. Muito mais evidente, porque rumo ao visível e ao tradicionalmente valorizado, tem sido a habilitação da mulher ao competitivo, ao objetivo, ao foco que ela precisou ganhar com saída de casa e a ida ao mercado de trabalho. Apenas agora perceptível, com a valorização atual dos sentimentos e da subjetividade, a conquista masculina do espaço artístico, da intuição, das emoções é fronteira que é preciso transpor, inclusive para que não continuemos a explodir no trânsito, nos estádios, nas casas, nas escolas, nas ruas, no crime e nas drogas em fenômenos em que todos somos vítimas.
Não é à toa que um dos mais importantes temas das manifestações de rua, das novelas, das igrejas, das câmaras e dos tribunais, atualmente, seja o homossexualismo. Tanto para a relação entre o azul e o rosa quanto para a relação destes com as diversas gradações do arco-íris, parece imprescindível que sejamos todos capazes de nos ver como sexos em evolução. É como se, reconhecidos como seres com apenas uma perna e um braço fortes e longos, do lado esquerdo ou direito, finalmente agora voltássemo-nos ao aprendizado da cooperação não hierarquizada, simbolizada no abraço que nos completa, mas também no exercício com o outro para desenvolvermos o lado atrofiado, num movimento de realização e plenificação. 

por Maurício de Araújo Zomignani em Setembro 2013