Erro grave
esse de chamar o que aconteceu no supermercado em Santos de rolezinho. Qualquer pessoa lúcida sabe
que o nome do ocorrido é arrastão, evento
com clara finalidade de roubo, agressão e depredação, enquanto o primeiro tem
foco no lazer, no consumo, no encontro.
Já vivemos numa
sociedade fracionada por muros que separam pessoas de acordo com o nível de
renda, na qual a mais poderosa força que os ultrapassa é a mídia. Se ela fala
há tantas décadas, inclusive à massa com menor poder aquisitivo, que a
realização será encontrada por trás dos muros dos que mais consomem, fabrica,
inevitavelmente, uma enorme vontade de pular muros.
Muito
suscetíveis ao apelo do consumo e com uma evidente necessidade de
autoafirmação, os jovens vêm sendo protagonistas sociais, políticos e
econômicos ainda mais destacados do que sempre foram. Se alguns escolheram as
ruas para se manifestar, outros têm como foco os símbolos do consumo.
Mas a mente
humana também tem fronteiras, sabem os que lidam com o comportamento. Não é
porque foram inoculados com frustração irresponsavelmente pela publicidade – insatisfação
multiplicada pela falta de espaços esportivos, culturais, profissionais – que
todos os jovens de baixa renda dispõem-se a invadir shoppings às centenas,
correr, gritar para dizer, sem falar: quero consumir, e existir.
São ainda em
número muito menor aqueles que se dirigem a supermercados para roubar e
agredir. É preciso atravessar outra fronteira do comportamento humano para
chegar à infração e à violência mas, precisamos ficar alertas, os movimentos
de jovens partem de uma mesma insatisfação,
frustração e necessidade de serem reconhecidos, de terem espaços de realização.
A postura
das instituições, dos meios de comunicação e da classe média pode reconhecer a
diferença dos grupos, colocar-se diferentemente, agir pedagogicamente, ou
juntar tudo, apavorados, como fossem eles uma ilha de incluídos e cidadãos cercada
de criminosos por todos os lados, tornando essas relações sociais uma guerra
sem vitória possível.
É preciso
perceber a importância de cada passo e das nossas atitudes. Os próprios
supermercados e shoppings têm sido mais lúcidos que muitas discussões pela
internet e pelas ruas. Falta exigirmos, toda a sociedade e com urgência,
políticas públicas que acolham a energia da juventude e estimule-a a caminhos
de realização e transformação crítica da sociedade, em relação à qual os
adultos também estão muito insatisfeitos, mas já sem tanta dessa
importantíssima energia de mudança.
Conta-se que
um índio, ao falar da natureza humana, disse que trazia dentro de si dois
cachorros: um era manso e fiel, outro violento e imprevisível. Seu
interlocutor, impressionado, perguntou-lhe qual dos dois prevaleceria, ao que
ele respondeu: aquele que eu alimentar. Pois quem agir com a juventude como se
ela fosse um risco para si, estará transformando-a, em reação, numa ameaça real,
numa aspiral de medo e dor.
Protestos, lazer
ou crime? A resposta, a ser dada pelos jovens, depende de uma atitude adulta agora.
(por Maurício de Araújo Zomignani em fevereiro de 2014)