segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

O ROLEZINHO E A INFELICIDADE PROGRAMADA

Meados dos anos 70 e os estúdios Hanna Barbera apresentaram uma série de desenho animado reunindo personagens, como: Pepe Legal, Dom Pixote, Pop pai e Pop filho, Leão da Montanha, Zé Colméia e Catatau. Chamava-se a Arca do Zé Colméia e o enredo girava em torno de viagens realizadas pela turma, que passava o tempo olhando a paisagem e se divertindo numa arca de Noé que voava, exceção ao personagem Maguila, um enorme gorila que ficava o tempo todo no porão. Ocorre que a embarcação toda se movimentava através de uma hélice cujo motor era uma esteira rolante, sobre a qual ficava o gorila, tendo à sua frente um vistoso cacho de bananas que, buscado e jamais alcançado, fazia mover toda a engrenagem.

Para além da diversão, o desenho ajuda a pensar o funcionamento da sociedade, ainda mais em tempos de rolezinho, fenômeno social no qual jovens da periferia de São Paulo têm invadido às centenas shopping centers de luxo causando pavor a consumidores, lojistas e preocupação à Segurança Pública. É claro que eles têm que se preocupar: como poderiam se sentir os personagens do desenho se, de repente, o Maguila simplesmente subisse ao convés? No desenho, isso jamais aconteceu.

Mas o Maguila somos nós. As bananas, é claro, são a felicidade que nos é prometida através do consumo mas, assim como o motor à gasolina é chamado de motor à explosão por ser através da explosão controlada que é gerada a energia, o que move a sociedade é um motor à insatisfação. Nós movimentamos toda a sociedade pelo consumo, o qual, centrado apenas nas necessidades objetivas dos seres humanos, logo se percebeu, não seria suficiente para movimentar a ganância dos personagens sociais que querem viajar e divertir-se apropriando-se do sacrifício da massa de Maguilas. Foi assim que surgiu a necessidade da propaganda, que incute permanentemente novas necessidades, e a obsolescência programada.

A obsolescência programada é uma estratégia de mercado surgida nos países capitalistas nas décadas de 1930 e 1940 que visa garantir um consumo constante através da insatisfação, de forma que os produtos que satisfazem as necessidades daqueles que os compram parem de funcionar ou tornem-se obsoletos em um curto espaço de tempo, tendo que ser obrigatoriamente substituídos de tempos em tempos por mais modernos.
Acontece que os magos da manipulação das massas não conseguiram prever o óbvio. Se durante séculos nós Maguilas, hipnotizados pelas bananas, nada mais conseguimos fazer senão correr atrás delas, a revolução da comunicação ocorrida nas últimas décadas, e o acúmulo de insatisfação, tem gerado gorilas que estão resolvendo descer da esteira rolante, pegar o cacho inteiro e invadir o andar superior para curtir a paisagem, não importa o que aconteça com a Arca.

Discute-se apenas estratégias de repressão, no máximo denuncia-se a urgência de uma Política de Juventude. Será que não é hora dos personagens repensarem a Arca, projetar uma engrenagem que, ao invés da ilusão de satisfação para alguns com base na insatisfação de muitos pense numa sociedade realmente para todos?


por Maurício de Araújo Zomignani em Janeiro de 2014 

O PIOR GASTO PÚBLICO DO BRASIL

A cena, fortíssima, foi divulgada nos sites de notícias em um vídeo produzido na penitenciária de Pedrinhas, Maranhão, pelos próprios detentos. Uma facção, para punir um adversário, antes de matá-lo, dedicou-se à retirada da pele de um amplo trecho de sua perna, diante do horror do torturado e de quem teve coragem para assistir o vídeo. Cabe ao Estado, claro, a responsabilidade imediata sobre tal barbaridade, mas, na medida em que situações semelhantes existam mesmo no estado de São Paulo, com dinheiro público, e na proporção em que tal sistema nunca foi discutido pela sociedade, quem não estará se sentindo responsável por isso?

Deixadas de lado as ideologias que opõem grupos que se isolam, à direita, na defesa de um Estado omisso socialmente, a título de respeitar a livre iniciativa e o mercado e, à esquerda, na proposta de um Estado centralizador e ineficiente, a título de intervir nas desigualdades sociais – ainda que tais grupos, no poder, tenham desenvolvido práticas frontalmente opostas aos seus discursos –, o fato é que o Brasil vem se defrontando com os resultados do mais eloquente exemplo de mau gasto dos recursos públicos: o realizado no sistema penitenciário.

O mau gasto, é claro, não se deve à quantia de dinheiro destinada ao sistema, R$ 3.312,00 por preso federal, segundo o Ministério da Justiça, mas essencialmente ao seu resultado. O que o detento obtém do sistema penitenciário? É muitíssimo mal tratado pelo Estado, pelos rivais, pela sociedade, não havendo notícias de um programa eficaz de ressocialização de criminosos no Brasil. Aliás, sequer há dados confiáveis, trabalhando os estudiosos com taxas de reincidência em torno de 70% (apontando-se em Portugal, por exemplo, para taxas de 50%). Mas o que a sociedade ganha com nosso sistema penitenciário? A resposta seria óbvia: o afastamento dos criminosos da vida social.

Mas não é bem assim. Se nossas prisões são ambientes estimuladores de monstruosidades que, evidentemente, pioram muito o ser humano, pouco importa quanto se gaste para isso, ainda que as somas totais sejam consideráveis. Cabe promovermos, nesse momento, a certeza de que se trata de uma vingança burra, na medida em que tira das ruas, todos os dias, alguns milhares de seres perniciosos, tortura-os, e devolve, também todos os dias, uma quantidade similar de seres com um grau de periculosidade muito pior do que entraram. Daí provém a inevitável conclusão: este é o pior gasto público possível.

Vamos passar, com as eleições, por mais uma oportunidade fundamental para discutir políticas públicas e é preciso fortalecer a idéia de que, dessa vez, partidos, candidatos e eleitores – assim como técnicos e instituições de ciências humanas – não podem se limitar a discutir quantos presídios serão construídos, mas que avancemos no sentido da criação de uma política pública de ressocialização que respeite os direitos dos presos, diminua a reincidência e recupere o maior número de detentos para efetivamente avançar na missão, urgente, de proteção da sociedade.

por Maurício de Araújo Zomignani em Janeiro de 2014

VIOLÊNCIA JUVENIL OU VIOLÊNCIA ESTATAL?

“A espiral de violência vem aumentando. Estou preocupada com o que possa vir a acontecer no ano que vem” Esther Solano Gallego, pesquisadora espanhola.

Significativo que institutos de pesquisas, imprensa e população preocupe-se tanto em se declarar a favor da redução da maioridade penal (92.7%), das manifestações (81,7 %) e contra as ações dos grupos que promovem depredações nas ruas brasileiras (93,4% - segundo pesquisas CNT/ DNA recentes). Nessa mesma linha têm se posicionado o Ministro da Justiça e o Governador de São Paulo, defendendo a adoção de ações de repressão e leis mais duras.

A autora da frase que encabeça esse artigo, no entanto, é pesquisadora, professora da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) e resolveu ir mais fundo. Após doutorar-se em ciências sociais veio ao Brasil em 2011 e, desde junho de 2013 foi às ruas, primeiro como manifestante, depois para entrevistar 30 jovens de diferentes grupos que usam táticas black blocs, para procurar entender suas motivações.

A vivência com esses grupos e as medidas duras anunciadas pelas autoridades, fizeram com que declarasse que “o problema será entrar numa dinâmica de ação-reação violenta na qual as posturas dos dois lados endureçam”. Ao invés de ser contra ou a favor, ou de propor repressão, ela entende que “vale a pena perguntar por que esses jovens chegaram ao ponto de enxergar na violência a única forma de ser escutados”.

Não é difícil constatar um imenso vazio onde deveria haver ações voltadas à juventude. A política de esporte, mesmo diante dos megaeventos que iremos sediar, volta-se aos que alcançaram o alto rendimento, com enormes sacrifícios, promovendo raras e dispersas ações voltadas ao trabalho de base. Os programas culturais oferecem oficinas extremamente elitizadas tanto nas temáticas quanto na própria localização dos serviços. A educação, a par do discurso em defesa da cidadania, impõe regimentos, gestões e punições sem o mínimo espaço para manifestação dos jovens. O desemprego nesta faixa é o triplo da média, os grupos de jovens de igrejas e clubes de servir são, quase sempre, dirigidos pela lógica dos adultos.

Não podemos oferecer à juventude apenas autoritarismo, leis mais duras e repressão – ainda que esta, sem dúvida, seja necessária para coibir os excessos – como fosse possível apagar um incêndio com baldes de gasolina. Passou do tempo da sociedade e governos articularem programas voltados às reais demandas da juventude integrados numa Política de Atendimento baseada no protagonismo infanto-juvenil.
O oferecimento de alternativas e o apoio àquelas formuladas pelos jovens são fundamentais para a destinação efetiva da tremenda energia realizadora e transformadora própria da juventude. Lembremos dos terríveis acidentes com panelas de pressão com válvula entupida, mas também que a revolução industrial aconteceu devido às maravilhas do motor à vapor.

O ano que vem terá dois alvos preferenciais anunciados pelos black blocs: Copa do Mundo e Eleições. Investiremos em uma Política de Atenção à Juventude ou apenas em repressão?

por Maurício de Araújo Zomignani em Novembro de 2013 

Cérebro e Sexo

É quase impossível investigar o cérebro sem fazer um paralelo com o comportamento sexual humano. Um informe rápido do funcionamento do órgão dirá que ele reparte suas múltiplas funções entre hemisférios, referindo-nos a uma camada de quatro milímetros de espessura chamada córtex, responsável pelas capacidades superiores, que recobre as duas metades. O hemisfério esquerdo é o da razão, mostra-se apto às relações lógicas em lapsos de tempo, separa as totalidades abordando uma parte por vez e concentra-se em cada uma mostrando persistência em acabar o que começou. Já o hemisfério direito, incumbido da criação, trabalha simultaneamente com unidades conjuntas e com coerência, é mais flexível, muda facilmente de plano, mostra-se capaz de fazer associações entre o linguístico e a experiência concreta.
A relação entre os hemisférios é uma ligação densa e nervosa. Curiosamente o hemisfério esquerdo controla a parte direita e o direito controla a parte esquerda do corpo. A associação com o comportamento e com a relação entre os sexos é evidente, mas é importante também perceber a interdependência e a relação não hierarquizada entre ambos – os hemisférios, é claro – pois dizem os estudos que os dois lados cooperam de forma tão grande que, se um deles não funcionar, o outro tem muita dificuldade em aguentar-se. É possível até ampliar a comparação para perceber o quanto um lado tem se habilitado às capacidades do outro – os sexos, é claro – especialmente nas últimas décadas.
Mais ainda, podemos pensar sobre o plano da própria Criação para os sexos. A absoluta necessidade que um tem do outro – e não apenas para a manutenção da espécie, como se vê – para os aspectos mais essenciais da vida, vem se aprofundando com o aprendizado que um proporciona ao outro. Muito mais evidente, porque rumo ao visível e ao tradicionalmente valorizado, tem sido a habilitação da mulher ao competitivo, ao objetivo, ao foco que ela precisou ganhar com saída de casa e a ida ao mercado de trabalho. Apenas agora perceptível, com a valorização atual dos sentimentos e da subjetividade, a conquista masculina do espaço artístico, da intuição, das emoções é fronteira que é preciso transpor, inclusive para que não continuemos a explodir no trânsito, nos estádios, nas casas, nas escolas, nas ruas, no crime e nas drogas em fenômenos em que todos somos vítimas.
Não é à toa que um dos mais importantes temas das manifestações de rua, das novelas, das igrejas, das câmaras e dos tribunais, atualmente, seja o homossexualismo. Tanto para a relação entre o azul e o rosa quanto para a relação destes com as diversas gradações do arco-íris, parece imprescindível que sejamos todos capazes de nos ver como sexos em evolução. É como se, reconhecidos como seres com apenas uma perna e um braço fortes e longos, do lado esquerdo ou direito, finalmente agora voltássemo-nos ao aprendizado da cooperação não hierarquizada, simbolizada no abraço que nos completa, mas também no exercício com o outro para desenvolvermos o lado atrofiado, num movimento de realização e plenificação. 

por Maurício de Araújo Zomignani em Setembro 2013 

ESPERANÇA ONDE HAVIA DESESPERO

Os cenhos estavam franzidos. O cinismo dominava os palácios dourados. O ceticismo, a incredulidade, a desesperança estavam em todos os ambientes. Inúmeras igrejinhas montadas em cada esquina, em muitas repartições públicas, apenas para coletar dinheiro. Tudo isso ainda existe, mas agora há esperança. Havemos jovens.
Guerras e conflitos, inclusive religiosos, se disseminavam com ou sem sangue na Idade Média. Apelos sexuais, escândalos econômicos e conveniências mal disfarçadas denegriam a humanidade. Tudo isso ainda existe. Todos foram chamados à guerra, mas havia quem desafiasse, não atendesse, não importa se fosse deserdado. Desertou. Foi um homem só, mas ensinou a paz. Havíamos Francisco.
Hábitos escuros, sacristias negras, práticas tenebrosas. A luz entra mas para ser apagada, a criança entra mas para ser violentada. É necessária férrea vontade para vencer a tristeza, é preciso pura alegria para vencer a inércia. O materialismo prevaleceu na ciência, o mercantilismo na política, a extorsão, o abuso e a acomodação na religião. Essencial colocar palácios em segundo plano, descobrir o mundo que existe para além dos castelos, desencastelar a fé, libertando-a das conveniências e tradições vazias. Havemos Francisco. 
O fogo da transformação esteve sempre aceso, mas sempre precisou de combustível, algo para ser transformado, alguém que se dispusesse à transformação. Os jovens foram para a rua dizendo não à corrupção, o pobrezinho de Assis foi para a rua dizendo não à violência religiosa, o papa foi para a rua dizendo não à opulência e à acomodação: cresce a labareda, será fogo de palha? Teremos mudança real?  
Nada ainda mudou. Líderes políticos e religiosos ainda são exaltados enquanto o bem é humilhado, governos e igrejas ainda são ricos rodeados de um povo pobre, os dólares estão nas cuecas, os ouros nos altares, os dízimos nas malas e jatinhos, o materialismo e o sensorialismo ainda escravizam gostosamente as mentes. E a violência vai para as ruas mesmo quando a maioria dos jovens, todos franciscos, apontam para a paz.
Mas a opinião pública está se formando. Multidões querem política mas não querem esses partidos. Bilhões buscam o Cristo, mas fogem desses cristãos. Todos querem mudanças, mas sem essa violência. Desmascaram-se os autoproclamados manifestantes que buscam o crime, os ditos políticos e juízes que apenas protegem seus bolsos, os pretensos servidores de Jesus que servem mesmo é ao dinheiro.
Senhores acomodados e suas grandes barrigas, estufadas de gula, de vaidade, de materialismo e cinismo: Nós buscamos o essencial, nós temos informação, sabemos o que é manifestação inteligente e o que é estupidez violenta, o que é o bem comum e o que é politicagem, o que é o bem profundo e o que é mercantilismo religioso.
Há luz onde havia trevas, há esperança onde havia desespero. Nós temos esperança. Os cínicos ainda dirão que esperar não muda nada, mas nós sabemos que sem esperança é que não existe mudança. A religião e a política verdadeiras estão nas ruas. Estão nas veias. Estão nas suas?

por Maurício de Araújo Zomignani em Julho de 2013