segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

PARAFUSO A MENOS

Oito placas de titânio, 63 parafusos e três membranas protetoras, além de enxerto ósseo. Foi isso que recebeu, somente na cabeça, Vítor Suarez Cunha, 21 anos, por ter agido quando ele e seu amigo Kleber viram cinco jovens espancando um homem de rua. Enquanto seu amigo foi contido, os agressores voltaram-se contra Vitor e deram-lhe pelo menos vinte chutes no rosto com incrível violência, segundo Kleber, a qual continuou mesmo quando seu corpo jazia inerte no chão.

Mil questões essa ocorrência traz à reflexão. Por que os agressores escolheram um mendigo, por que não acordaram de seu delírio quando alertados pelos dois rapazes, por que cinco contra um, por que agressões tão violentas e em região vital do jovem? Escolho, entre tantas, perguntar: o que aconteceria se o mendigo recebesse em um corpo debilitado a agressão sofrida pelo jovem? Por que, contrariando os mais primários instintos, os dois jovens resolveram enfrentar a situação que lhes era tão ostensivamente desfavorável em defesa de um mendigo? Escolho essas perguntas porque minha verdadeira pergunta é: o que eu faria nessa situação?
Tenho passado por inúmeras situações que me pediam intervenção e nada fiz. Na praia vi tábuas com pregos para cima e não recolhi porque estava correndo e não podia parar. Na balsa, espaço das motos, a um tranco maior da embarcação um motoqueiro se desequilibrou e tombou sobre outros, ficando pendurado à minha frente. Não consigo esquecer que, de trás de mim, um rapaz saiu de seu veículo, dirigiu-se ao motoqueiro e levantou-o, voltando em seguida, enquanto eu assistia paralisado.

Senti-me mal depois desses fatos pensando no que poderia fazer, mas foram úteis as observações. De lá para cá tenho feito pequenas intervenções, mesmo que em algumas situações ainda tenha ficado parado, olhando, ou simplesmente seguido adiante. Hoje percebo tais fatos como convites da vida, situações preciosas que nos são ofertadas para que testemos e desenvolvamos nosso autoconhecimento e nossa real disposição de ajudar.

Quanto à situação ocorrida no Rio de Janeiro, sei que pensaria muito antes de tomar uma atitude como a dos dois rapazes. Aguardaria um tempo precioso que poderia acarretar uma situação irreversível. Quando percebesse que a situação de alto risco teria se voltado contra mim, no entanto, não sei o que faria. 

Tomo essa situação como mais uma aula preciosa, na qual Vitor e Kleber são professores. A todos que lêem estas palavras, meus colegas de classe, assumo a função de livro didático que divulga um conhecimento e propõe um exercício, sem que ele mesmo saiba alguma coisa. Num mundo com tanta violência, diversas tragédias – onde alguns buscam vantagens e outros simplesmente ajudar – e bilhões de situações cotidianas em que uma ação simples pode fazer a diferença, a reflexão tranqüila e a auto observação sincera podem nos preparar para sermos melhores, para a atitude que realmente gostaríamos de tomar. Hoje, o garoto agredido me parece enorme, e eu me sinto como se tivesse parafuso a menos. Precisamente 63.


por Maurício de Araújo Zomignani em Fevereiro de 2012

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