Oito placas de titânio, 63
parafusos e três membranas protetoras, além de enxerto ósseo. Foi isso que
recebeu, somente na cabeça, Vítor Suarez Cunha, 21 anos, por ter agido quando
ele e seu amigo Kleber viram cinco jovens espancando um homem de rua. Enquanto
seu amigo foi contido, os agressores voltaram-se contra Vitor e deram-lhe pelo
menos vinte chutes no rosto com incrível violência, segundo Kleber, a qual continuou
mesmo quando seu corpo jazia inerte no chão.
Mil questões essa
ocorrência traz à reflexão. Por que os agressores escolheram um mendigo, por
que não acordaram de seu delírio quando alertados pelos dois rapazes, por que cinco
contra um, por que agressões tão violentas e em região vital do jovem? Escolho,
entre tantas, perguntar: o que aconteceria se o mendigo recebesse em um corpo
debilitado a agressão sofrida pelo jovem? Por que, contrariando os mais
primários instintos, os dois jovens resolveram enfrentar a situação que lhes
era tão ostensivamente desfavorável em defesa de um mendigo? Escolho essas
perguntas porque minha verdadeira pergunta é: o que eu faria nessa situação?
Tenho passado por inúmeras
situações que me pediam intervenção e nada fiz. Na praia vi tábuas com pregos
para cima e não recolhi porque estava correndo e não podia parar. Na balsa,
espaço das motos, a um tranco maior da embarcação um motoqueiro se
desequilibrou e tombou sobre outros, ficando pendurado à minha frente. Não
consigo esquecer que, de trás de mim, um rapaz saiu de seu veículo, dirigiu-se
ao motoqueiro e levantou-o, voltando em seguida, enquanto eu assistia
paralisado.
Senti-me mal depois desses
fatos pensando no que poderia fazer, mas foram úteis as observações. De lá para
cá tenho feito pequenas intervenções, mesmo que em algumas situações ainda
tenha ficado parado, olhando, ou simplesmente seguido adiante. Hoje percebo
tais fatos como convites da vida, situações preciosas que nos são ofertadas
para que testemos e desenvolvamos nosso autoconhecimento e nossa real disposição
de ajudar.
Quanto à situação ocorrida
no Rio de Janeiro, sei que pensaria muito antes de tomar uma atitude como a dos
dois rapazes. Aguardaria um tempo precioso que poderia acarretar uma situação
irreversível. Quando percebesse que a situação de alto risco teria se voltado
contra mim, no entanto, não sei o que faria.
Tomo essa situação como
mais uma aula preciosa, na qual Vitor e Kleber são professores. A todos que
lêem estas palavras, meus colegas de classe, assumo a função de livro didático
que divulga um conhecimento e propõe um exercício, sem que ele mesmo saiba alguma
coisa. Num mundo com tanta violência, diversas tragédias – onde alguns buscam vantagens
e outros simplesmente ajudar – e bilhões de situações cotidianas em que uma
ação simples pode fazer a diferença, a reflexão tranqüila e a auto observação
sincera podem nos preparar para sermos melhores, para a atitude que realmente
gostaríamos de tomar. Hoje, o garoto agredido me parece enorme, e eu me sinto
como se tivesse parafuso a menos. Precisamente 63.
por Maurício de Araújo Zomignani em Fevereiro de 2012
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