Todo início de ano, renovamos
nossa esperança numa sociedade de paz, mas com cada vez mais consciência que
ela começa com atitudes, que precisam ser analisadas e valorizadas.
O mundo está cheio de
predadores. Nos locais de trabalho, vêem apenas os seus próprios interesses.
Nas ruas, espalham lixo, crime, depredação. Nos palácios, enganam consumidores,
demitem para reduzir custos, desviam dinheiro público. Nas famílias e igrejas
consomem recursos, abusam sexualmente. Triste a vida dos admirados felinos que
precisam matar para viver, estreita a vida de quem destaca a si mesmo
diminuindo os outros. É preciso cuidado para não ser assim.
Mas raros são os cuidadores.
Pela profissão seriam professores, bombeiros, policiais, enfermeiros,
psicólogos, médicos, advogados, assistentes sociais. Pela função, seriam
orientadores, líderes comunitários, religiosos, políticos, promotores, juízes,
conselheiros tutelares, avós, pais e mães. Mas nem profissão nem função fazem o
cuidador. É preciso atitude e sensibilidade e estas não são prerrogativas de
instituições. Felizes são os passarinhos que comem frutas e semeiam caroços,
mas as filas dos zoológicos não são para eles.
Cuidadores, em geral, ganham
menos, têm pouca estrutura, são desvalorizados pelas instituições. Por sua
sensibilidade ou por entrar em contato constantemente com crises, violências e
doenças, sofrem desgastes. É comum que profissionais da saúde, educação e
assistência social, que as pessoas que a vida coloca em apoio a quem está em
crise acabem ficando duras. Tristemente conhecidos são os médicos que atendem
sem cumprimentar, sorrir, olhar. Mas há também professores que afirmam saber,
no primeiro bimestre, quem vai passar ou não, assim como assistentes sociais
que ao olhar um homem de rua afirmam saber se ele “tem jeito”.
A explosão de predadores que
vivemos se deve exatamente à falta de cuidadores, mas não só lá fora.
Observando em profundidade, cada um de nós é predador e cuidador, todos podemos
produzir ou interromper extensas e poderosas cadeias de exploração, negligência
e violência, induzindo ou evitando que vítimas acabem por se tornar,
conscientemente ou não, violentadores. Se tivesse sido acolhido por pessoas
atentas quando, ainda criança, foi abusado por um parente, mesmo um Maníaco do Parque poderia não ter, anos
depois, destruído a vida de dezenas de moças e suas famílias.
Podemos fortalecer ou
enfraquecer, em nós e no mundo, a corrente da violência que dá tanta audiência
para jornais, dá tanto ouvido para fofocas, espalha desânimo, revolta e
autocompaixão. Muito mais importantes que as guerras da violência e da
audiência, milhares de olhares tristes esperam que mais pessoas aprendam a
ouvir, enxergar, que valorizem, em todos os ambientes, as funções, as atitudes
acolhedoras, que estimulem carinhosamente o cuidador. A começar por aquele que
existe em cada um, que é o primeiro a precisar de cuidado.
(1) – Esse desafio é
proposto por Adalberto Barreto, criador da Terapia Comunitária, técnica que vem
cuidando de milhares de pessoas, a maioria das quais sem acesso a programas de
saúde mental.
(Artigo escrito por Maurício de Araújo Zomignani)
Nenhum comentário:
Postar um comentário