segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

SAÚDE DOENTE


Alegria, por causa de uma enorme tristeza. É de se festejar o trabalho da Polícia, Ministério Público e dos jornalistas do Fantástico. A reportagem acompanhou uma investigação das autoridades e mostrou médicos e dentistas, muitos com elevados cargos na máquina pública – um deles Secretário do Governo do Estado de São Paulo – que ganham dinheiro público sem trabalhar. Os profissionais, mostrados em seus carros caros e consultórios luxuosos foram confrontados com filas enormes de pessoas muito humildes, que acordam de madrugada para conseguir agendamento para consultas que demoram cinco meses, e que por fim apresentaram sérias críticas de descaso e de mau atendimento. É mesmo uma enorme tristeza.

A alegria corre por conta da denúncia. Pena que não se fez a investigação em outros hospitais, prontos socorros e unidades básicas de saúde. Quem algo conhece do serviço público sabe que é comum achar-se médicos e dentistas, entre outros profissionais liberais, que não cumprem a jornada que realizam em seus diversos empregos porque ela é simples acúmulo de fontes de renda, impossível de ser cumprida. E mais: que há fortíssima pressão para que os melhores cargos de chefia sejam preenchidos por médicos. E ainda mais: que os secretários de saúde e chefes que exigiram cumprimento de jornada acabaram demitidos.

Profissionais pragmáticos podem acenar com a baixa remuneração oferecida pelo SUS. Não percebem eles que quanto mais desvios houver menos recursos se poderá pagar, e o inverso também é verdade, num círculo vicioso em que afundam todos. Que quanto mais desmoralizada e desumanizada estiver a saúde, mais difícil será lutar por melhores salários, e que tudo isso inviabilizará o sistema público de saúde. Profissionais ambiciosos podem raciocinar que se tivéssemos um sistema de saúde que funcionasse não haveria clientela para os planos de saúde e consultórios particulares, sem compreender que há uma enorme demanda não atendida que daria entrada no sistema se ele funcionasse. Profissionais cínicos diriam que há inúmeras outras funções extremamente respeitáveis cujos ocupantes também não cumprem sua jornada de trabalho, especialmente no Legislativo e no Judiciário, no que estariam corretos, sem perceber que assim igualam suas categorias até aqui tão respeitadas a outras que têm merecido profundo descrédito por parte da população.

Mas há também bons profissionais. Em nome deles, e principalmente em nome das pessoas que todos os dias voltam para suas casas, ou morrem, por falta de tratamento, vagando entre um hospital e outro, os Conselhos Profissionais precisam punir os maus profissionais para evitar a desmoralização completa pela generalização, e os gestores públicos precisam implantar controles eletrônicos para médicos, dentistas, parlamentares, juízes, promotores. Só assim toda a sociedade irá se apresentar, unida, para legitimar a luta dos bons servidores públicos que comparecem aos locais de trabalho, cumprem sua jornada e prestam atendimento de qualidade, apesar da baixa remuneração. 

por Maurício de Araújo Zomignani em  Junho de 2011

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