segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

CRIANÇAS GLADIADORAS

Nem todas as crianças recebem a mesma educação, variando conforme a classe social. Meninos de classes privilegiadas aprendem a ler e a escrever em língua nacional e estrangeira com professores particulares. Recebem formação nos mais diversos campos do conhecimento. Meninos de classes menos abastadas têm realidade bem diferente.  A maioria não pode dispor de tempo integral para os estudos por ter que trabalhar.

O abandono de crianças também é prática comum.  Rejeitados, meninos e meninas acabam destinados à prostituição ou à vida de gladiadores, treinados para quebrar ou matar outros lutadores, além de leões, tigres. Isso mesmo, esse texto, originalmente, descreve a Antiguidade. A luta entre gladiadores era a parte principal da política instituída pelo Império Romano cujo objetivo principal era amenizar a revolta dos romanos com os problemas sociais matando suas maiores vítimas.


Vinte e três séculos depois, em janeiro de 2012, UFC do Rio de Janeiro. Trata-se de uma modalidade sangrenta de luta que combina várias artes marciais em um momento marcante para um evento que fora primeiro banido em 36 estados americanos, depois teve transmissão apenas em televisão a cabo e, somente agora, alcançou a tevê aberta. Ingressos esgotados, boa audiência, vencedores carregados por pessoas em delírio. O apresentador brasileiro, numa frase muito festejada, identificou os lutadores como “gladiadores do terceiro milênio”.



Durante a transmissão, foi exibida uma criança de 6 ou 7 anos com luvas idênticas às usadas pelos lutadores, vestindo traje semelhante, com um sorriso azulado que revelou seu protetor bucal. Esforçava-se por copiar até as expressões e os socos no ar dados pelos profissionais. Os responsáveis pela transmissão apreciaram tanto a cena que ela foi reprisada minutos depois, em câmera lenta. Além deste, foram filmados pelo menos outros dois garotos com menos de 10 anos de idade nas arquibancadas em plena madrugada.

As crianças só se tornavam gladiadores na Roma Antiga depois de adultas e pertenciam a famílias escravas ou muito pobres. Aqui o fenômeno é mais complexo. Nossas crianças gladiadoras são permitidas pelas autoridades, estimuladas por famílias de classe média, idolatradas pelos meios de comunicação.


O que significa a tremenda popularização do UFC no Brasil e no mundo? Que evolução teve a humanidade em 2.300 anos? Que análise fará de nós a história, já que os entretenimentos populares em geral e o tratamento dado às crianças formarão interessante painel da nossa civilização? Será que assumimos desde já a responsabilidade sobre esse retrato? Mas que podemos fazer?


Nossa sociedade dispõe de leis e autoridades, famílias e informações suficientes para impedir o acesso de crianças e adolescentes a esses espetáculos. Além disso, desde a época do pão-e-circo, os espetáculos que não agradavam as massas, eram prontamente substituídos, o que também ocorreria agora. Tempos estranhos, enquanto crianças lutam como adultos, adultos brincam de esconde-esconde. 

por Maurício de Araújo Zomignani em Janeiro de 2012 

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