Num brilhante artigo, Rubem Alves aponta que, em sociedade,
dá-se uma prioridade absoluta ao falar, simbolizado pela secular arte da
oratória, considerada fundamental à vida pública e privada na Grécia antiga.
Propõe, em compensação, a criação e ensino, pela importância que dá ao escutar,
de uma arte que chama de Escutatória.
Para mostrar a importância disso em outras culturas, faz referência a ritual de
reflexão existente em comunidade indígena norte-americana, no qual os
participantes, sentados em círculo, ficam em silêncio até que alguém tenha uma
idéia essencial sobre o tema escolhido. Manifesta a idéia, novo silêncio se
faz, sendo considerado desrespeito falar logo depois, como se a idéia expressa não
fosse indigna de reflexão.
Nossas rodas de conversa têm um funcionamento muito
diferente. A disputa pela palavra é acirrada, o tom de voz é alto na tentativa
de ganhar espaço, as falas chegam mesmo a se sobrepor umas às outras, sem
qualquer forma de ligação entre elas, como se fosse possível se comunicar sem
ouvir.
Na civilização ocidental há diversas formas de busca de
acordo, todas elas, no entanto, denunciando significativas distorções na
comunicação e nas relações humanas. Antes de participar de uma mesa de
negociação, patrões e empregados desenvolvem estratégias para impor suas
posições. Numa audiência de conciliação, ex-marido e ex-esposa atacam-se
ferozmente, sacrificando, com isso, os próprios filhos. Ao realizar combinados
em sala de aula, alguns professores determinam regras unilateralmente,
transformando uma prática que deveria ser interativa na velha imposição de
ordens. Observa-se no cotidiano, ainda,
que uma idéia central para qualquer relação humana, como o diálogo, é usada ironicamente
como sinônimo de imposição, de violência.
As distorções ocorrem mesmo em ritos e instituições
etimologicamente implicados com o ouvir. Frequentamos palestras – palavra que na origem significa
conversa – sabendo que somente uma pessoa falará. Numa Audiência Pública –que, por
definição, é o momento de ouvir o povo – achamos normal que autoridades tomem a
palavra e falem o tempo todo. Aceitamos até que um Ouvidor – teoricamente
aquele que ouve – quase nunca esteja disponível para escutar quem quer falar e
que quando ouça não atenda, deixando claro que, qualitativamente, não ouve.
por Maurício de Araújo Zomignani em Julho de 2012
Nenhum comentário:
Postar um comentário