segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

A ARTE DE OUVIR

Num brilhante artigo, Rubem Alves aponta que, em sociedade, dá-se uma prioridade absoluta ao falar, simbolizado pela secular arte da oratória, considerada fundamental à vida pública e privada na Grécia antiga. Propõe, em compensação, a criação e ensino, pela importância que dá ao escutar, de uma arte que chama de Escutatória. Para mostrar a importância disso em outras culturas, faz referência a ritual de reflexão existente em comunidade indígena norte-americana, no qual os participantes, sentados em círculo, ficam em silêncio até que alguém tenha uma idéia essencial sobre o tema escolhido. Manifesta a idéia, novo silêncio se faz, sendo considerado desrespeito falar logo depois, como se a idéia expressa não fosse indigna de reflexão. 
Nossas rodas de conversa têm um funcionamento muito diferente. A disputa pela palavra é acirrada, o tom de voz é alto na tentativa de ganhar espaço, as falas chegam mesmo a se sobrepor umas às outras, sem qualquer forma de ligação entre elas, como se fosse possível se comunicar sem ouvir.

Na civilização ocidental há diversas formas de busca de acordo, todas elas, no entanto, denunciando significativas distorções na comunicação e nas relações humanas. Antes de participar de uma mesa de negociação, patrões e empregados desenvolvem estratégias para impor suas posições. Numa audiência de conciliação, ex-marido e ex-esposa atacam-se ferozmente, sacrificando, com isso, os próprios filhos. Ao realizar combinados em sala de aula, alguns professores determinam regras unilateralmente, transformando uma prática que deveria ser interativa na velha imposição de ordens.  Observa-se no cotidiano, ainda, que uma idéia central para qualquer relação humana, como o diálogo, é usada ironicamente como sinônimo de imposição, de violência.

As distorções ocorrem mesmo em ritos e instituições etimologicamente implicados com o ouvir. Frequentamos  palestras – palavra que na origem significa conversa – sabendo que somente uma pessoa falará. Numa Audiência Pública –que, por definição, é o momento de ouvir o povo – achamos normal que autoridades tomem a palavra e falem o tempo todo. Aceitamos até que um Ouvidor – teoricamente aquele que ouve – quase nunca esteja disponível para escutar quem quer falar e que quando ouça não atenda, deixando claro que, qualitativamente, não ouve.

Vivemos numa cultura do falar, não interessa se ninguém escuta. Todos buscam a valorização do seu lado sem querer saber do lado do outro, mesmo sob o enorme risco de enlouquecer – no caso, não por ouvir vozes, mas por falar sozinho. A questão é tão generalizada, suas implicações tão amplas e radicais para a democracia, para as relações humanas, para a família e para o bem-comum, que só podemos concordar que nossa sociedade necessita urgentemente da arte de ouvir. Precisamos nos exercitar, desde criança, em práticas como ouvir histórias, ficar em silêncio e descrever o que ouvimos, meditar, conversar com os mais velhos, um processo de desenvolvimento riquíssimo que poderíamos chamar de alfabetização auditiva.


por Maurício de Araújo Zomignani em Julho de 2012 

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