segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

APOLOGIA À VINGANÇA

Durante décadas aplaudimos a fórmula. A moça boa era enganada por toda a novela e, ao final, os perversos eram punidos com prisão, morte ou loucura. Sempre houve personagens bons e maus, sendo a propaganda da maldade no decorrer da trama quase neutralizada pela exaltação da bondade ao final.
                                                                                       
O sucesso de Avenida Brasil marca um novo modelo na tevê, assim como Batman, o Cavaleiro das Trevas, faz no cinema. Ficam longe a feliz criança alienígena adotada pelo ótimo casal – o Super-homem, bem como os bons cientistas que sofreram radiação ou mutação – Hulk e Homem-Aranha. Nem mesmo há espaço para os inúmeros filmes onde pais de família pacatos tornaram-se assassinos depois que suas famílias foram trucidadas por psicopatas.
 
Popular hoje é a vingança obsessiva entre doentes. No cinema, Batman e Coringa, na tevê Carminha e Nina sofreram aguda vitimização na infância, alternam sintomas de saúde e doença, são idolatrados e execrados, combatem-se mas preservam-se, conscientes da sua interdependência. Fazem com que inveja, megalomania, busca pelo seu reconhecimento e pelo desmascaramento do outro a qualquer preço, sejam expressão de um desejo difuso por punição, absolutamente distante de qualquer limite legal, torturados todos por uma ética dúbia e móvel.
 
De um lado trata-se de um enriquecimento do pensamento, pois o antigo maniqueísmo – onde o Bem só bom combate o Mal só mau – é irreal e alienante da natureza humana, que é mesmo multifacetada e variável. Há que se reconhecer que mesmo aquelas pessoas que se voltam radicalmente à realização ou frustração humana possuem em si aspectos daquilo a que se opõem, que no mundo da violência quanto mais se afirma um lado mais se fortalece outro, como o fazem judeus e palestinos, norte-americanos e árabes, polícia e crime organizado.
 
É preciso perceber que a vingança é o mais eficiente mecanismo de perpetuação da violência por alternar os protagonistas na posição de vítimas ou agressores, acorrentando milhões a círculos viciosos. Crianças violentadas não estão condenadas a serem adultos violentadores, mas para isso é imprescindível que outro círculo, agora virtuoso, se estabeleça. Enfermeiras, empregadas, professores, religiosos, vizinhos, psicólogos, conselheiros tutelares, assistentes sociais, parentes, médicos e policiais formam extenso exército que, silenciosa e diariamente, percebe pessoas em sofrimento, acolhe dores e, de alguma forma, trata feridas, ajudando milhares de seres que, sem isso, tenderiam mesmo a reproduzir a violência sofrida.
 
Isso, porém, não faz parte das fórmulas que dominam tevê e cinema hoje. Com a direção dada às produções de sucesso e com seu enorme poder de influenciar comportamentos, percebe-se que nossa sociedade opta por fortalecer os círculos viciosos e ignorar os virtuosos. Se uma pessoa, para poucos, elogiar práticas ilícitas fará apologia ao crime, podendo ser considerada co-autora. Se a indústria do entretenimento propagar, a milhões, o sentimento que alimenta a violência, que conseqüências acarretará?  


por Maurício de Araújo Zomignani em Agosto de 2012

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