Na Audiência
Pública, a professora dirigiu-se à Secretária de Educação e aos Deputados, e
disse que tinha um número muito mais importante que os dados apresentados em
seus discursos. Era o número do seu salário, dez ou vinte vezes menor que os
deles, o qual lhe serviu para afirmar que, sem a melhoria daquele número, não
melhorariam quaisquer outros números da Educação. O vídeo foi recorde de
acessos e fenômeno de repercussão na
internet.
Na
televisão, a reportagem acompanhou um plantão de polícia no qual, em poucas
horas, dois meninos de doze anos foram apreendidos por tráfico de drogas. Um escândalo
morno – se é que isso existe – deve ter atingido o expectador, pois já se viu
muitas notícias iguais, inclusive em sua sequência. Diante da pergunta do repórter
sobre sua família, o garotinho disse que seu pai era ladrão e estava preso, que
sua mãe fora morta a pauladas. Disse que ele era criado por uma avó.
Ainda mais
óbvio seria se informassem que o menino está fora da escola. Desnecessário dizer
que a avó é aposentada, ou faxineira. Absurdo pensar que essa avó teria
condições de pedir a palavra na Audiência Pública e contrapor os seus números
aos da professora, da Secretária e dos parlamentares. Falar que da melhoria dos
seus números depende a melhoria de todos os outros.
Patina o
país num círculo vicioso. Difícil os empresários produtivos crescerem de forma
sustentável por falta de mão de obra qualificada, mas nunca se ofereceu ao
trabalhador uma educação de qualidade para ele não exigir melhores salários e
melhores dirigentes políticos. É preciso esconder que, se o Brasil saísse para
comer pizza, os empresários comeriam quatro pedaços, os políticos profissionais
três e meio, os professores ficariam com meio pedaço e o povo ficaria com os
restos.
Para favorecer
um círculo virtuoso, seria de se esperar que os banqueiros, que há muitos anos
aumentam seus lucros em 20% ao ano, enxergassem que dependem da economia,
lutassem e financiassem a melhor educação que sustentaria um Brasil mais justo,
próspero para todos. Seria de se esperar que a sociedade, através de uma Emenda
Popular, como a da Ficha Limpa, limitasse os ganhos dos políticos. Seria de se
esperar que os professores fizessem uma aliança com o povo, dessem aulas
motivados e lutassem juntos pela melhoria de renda da população excluída. É esperar
demais?
Do lado de
fora da Audiência Pública, está alguém que não espera. Falou o Deputado, falou
a Secretária, falou a professora, não falaria mesmo a avó que nem sabe que
Audiência Pública é feita para ouvir o povo – o que, aliás, ninguém ali sabia...
– , mas há mais alguém. Bem distante da
Audiência Pública, dos pais, da avó e da escola, um garotinho vende drogas. Quem
compra? Talvez ali esteja a tão falada igualdade: em sua mão compram filhos de
empresários, políticos, banqueiros e professores. Todos prestes a virarem números
de estatísticas, estes sim, números que deveriam estar acima de todos os
outros. Mas assim se fecha o nosso círculo vicioso.
por Maurício de Araújo Zomignani em Junho de 2011
Nenhum comentário:
Postar um comentário