segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

CÍRCULO VICIOSO

Na Audiência Pública, a professora dirigiu-se à Secretária de Educação e aos Deputados, e disse que tinha um número muito mais importante que os dados apresentados em seus discursos. Era o número do seu salário, dez ou vinte vezes menor que os deles, o qual lhe serviu para afirmar que, sem a melhoria daquele número, não melhorariam quaisquer outros números da Educação. O vídeo foi recorde de acessos e fenômeno de repercussão na 
internet.

Na televisão, a reportagem acompanhou um plantão de polícia no qual, em poucas horas, dois meninos de doze anos foram apreendidos por tráfico de drogas. Um escândalo morno – se é que isso existe – deve ter atingido o expectador, pois já se viu muitas notícias iguais, inclusive em sua sequência. Diante da pergunta do repórter sobre sua família, o garotinho disse que seu pai era ladrão e estava preso, que sua mãe fora morta a pauladas. Disse que ele era criado por uma avó.

Ainda mais óbvio seria se informassem que o menino está fora da escola. Desnecessário dizer que a avó é aposentada, ou faxineira. Absurdo pensar que essa avó teria condições de pedir a palavra na Audiência Pública e contrapor os seus números aos da professora, da Secretária e dos parlamentares. Falar que da melhoria dos seus números depende a melhoria de todos os outros.

Patina o país num círculo vicioso. Difícil os empresários produtivos crescerem de forma sustentável por falta de mão de obra qualificada, mas nunca se ofereceu ao trabalhador uma educação de qualidade para ele não exigir melhores salários e melhores dirigentes políticos. É preciso esconder que, se o Brasil saísse para comer pizza, os empresários comeriam quatro pedaços, os políticos profissionais três e meio, os professores ficariam com meio pedaço e o povo ficaria com os restos.

Para favorecer um círculo virtuoso, seria de se esperar que os banqueiros, que há muitos anos aumentam seus lucros em 20% ao ano, enxergassem que dependem da economia, lutassem e financiassem a melhor educação que sustentaria um Brasil mais justo, próspero para todos. Seria de se esperar que a sociedade, através de uma Emenda Popular, como a da Ficha Limpa, limitasse os ganhos dos políticos. Seria de se esperar que os professores fizessem uma aliança com o povo, dessem aulas motivados e lutassem juntos pela melhoria de renda da população excluída. É esperar demais?

Do lado de fora da Audiência Pública, está alguém que não espera. Falou o Deputado, falou a Secretária, falou a professora, não falaria mesmo a avó que nem sabe que Audiência Pública é feita para ouvir o povo – o que, aliás, ninguém ali sabia...  – , mas há mais alguém. Bem distante da Audiência Pública, dos pais, da avó e da escola, um garotinho vende drogas. Quem compra? Talvez ali esteja a tão falada igualdade: em sua mão compram filhos de empresários, políticos, banqueiros e professores. Todos prestes a virarem números de estatísticas, estes sim, números que deveriam estar acima de todos os outros. Mas assim se fecha o nosso círculo vicioso. 

por Maurício de Araújo Zomignani em Junho de 2011

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