segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

O VÔO DO GANSO

Muito usada é a imagem do vôo dos gansos para falar do trabalho em equipe. Ali vemos que, voando em “v”, alcançam distâncias setenta por cento maiores do que se voassem sozinhos, que aquele que está à frente é o que se sacrifica pelo grupo e que os que estão atrás grasnam para incentivá-lo até que ele se canse e passe para trás. Tal figura é ótima para explicar jogo de equipe no ciclismo, natação, pedestrianismo, e também pode ser útil no futebol.

Chama a atenção, em diversos campos sociais, nossa mania de criar ídolos como seres especiais, no futebol chamados “craques”, prática que endeusa e cobra demais de jogadores às vezes muito jovens. Esse erro os gansos não cometem. Caso algum deles, mais forte, fique mais tempo na posição de maior sacrifício, receberá por mais tempo o incentivo dos demais, mas depois irá, invariavelmente, para trás grasnar por quem se sacrificar.

Apesar da idolatria, o futebol e a vida continuam a ser fruto do trabalho em equipe. Se a vida é curta para quem a vê na perspectiva da eternidade, a carreira esportiva é mais curta ainda, e um jogador de futebol ampliará muito seu raio de vôo se souber estar na frente e atrás, receber o incentivo e incentivar, sem absolutizar seus bons momentos como tentam fazer imprensa e torcedores.

Ganso é também um jogador de futebol muito bom. Garoto ainda, veio do Pará a Santos tendo como marca principal a humildade, atitude central para trabalhar em equipe, essencial mesmo para quem deseja aprender algo na vida. Mas, desde então, o garoto ouviu muito elogio.

O elogio, para os comuns, é um evento raro que deve ser lembrado nos momentos tristes para que não nos deixemos levar pela crítica, pela tristeza, que é o que as pessoas mais recebem na vida. Para as “celebridades” – palavra que, é bom perceber, não atesta qualidade alguma, exceto a notoriedade – o elogio é constante, e o que a pessoa precisa lembrar é da crítica, que será buscada com tremenda intensidade, para fazer espetáculo do acontecimento mais corriqueiro. Isso faz com que a vida do ídolo – e também das multidões que se amoldam por esses modelos – torne-se uma montanha russa de altos muito altos e baixos muito baixos. Não é à toa que a doença de nossos tempos é o transtorno bipolar.

O vôo do Ganso é inevitável. Foi-se o tempo em que o jogador ficava num mesmo time por toda a carreira. Hoje em dia é aceitável que ele busque melhores condições como qualquer profissional. Mas quem vive no futebol precisa entender que aquele que joga para o dinheiro, num terreno tão marcado pela paixão, acabará marcado como mercenário, um pássaro que quer voar sozinho. Robinho, do alto de seus muitos sucessos e equívocos – saiu forçado de todos os clubes que defendeu – fez muito bem ao lembrar isso ao menino.

Que o Ganso voe alto e voe por muito tempo. Para isso, Ganso, o craque, teria que aprender com a história do ganso animal, pois a atitude tem sido fator central para limitar carreiras promissoras em todos os campos. Talvez precisasse também estudar outra história, a de Ícaro. 

por Maurício de Araújo Zomignani em Abril de 2011

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