segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

O OLHO POR TRÁS DO ESPELHO

Não devemos esconder a necessidade de nos revermos com os escândalos, vergonha é não aprender com eles e repeti-los, o que se aplica exemplarmente no terremoto que abala os meios de comunicação na Inglaterra. Rupert Murdoch, um dos maiores empresários do mundo teve descoberta a prática de um de seus jornais de contratar investigadores particulares, os quais colocaram escutas ilegais em telefones de pessoas que tiveram, assim, suas vidas particulares invadidas e divulgadas. O magnata dos jornais repetiu diversas vezes que foi traído por seus subordinados, mas suas empresas acumulam acusações há muitos anos, como a de obter notícias corrompendo policiais. É evidente que há muito encoberto, e é urgente proceder a uma discussão clara sobre o assunto.

No Brasil mesmo, há um longo histórico de deturpações nesse campo – como a não divulgação de manifestações pelas Diretas Já pelo Jornal Nacional, a edição deturpada dos debates entre Lula e Collor, lançado ao país, aliás, num Globo Repórter sobre o Caçador de Marajás, a atuação da Rede Record nas frequentes denúncias envolvendo pastores evangélicos e suas malas de dinheiro – mas seus defensores alegam que são fatos isolados e que a independência dos meios de comunicação é fundamental à Democracia, citando seu papel central no levantamento de denúncias, bem  como a evidência de serem os jornais os primeiros a serem fechados pelas Ditaduras.

Há, no entanto, fatos estruturais que comprometem exatamente essa independência. Um pecado original no país é o sistema de concessões, moeda de troca do Governo Federal para controlar o Congresso, o que faz com que milhares de rádios, diversas retransmissoras e mesmo redes de televisão sejam concedidas a políticos e a forças poderosas que os sustentam, como é o caso da família Sarney no Maranhão, Collor em Alagoas, da Igreja Universal que sustenta a Rede Record, e do Agrobusiness que tanto influencia a TV Bandeirantes.  Misturado a esse escândalo das concessões, a relação das redações com o setor comercial das empresas de comunicação, além de determinar o tamanho de um jornal e de uma revista, influencia o próprio noticiário, e não apenas nos cadernos de automóveis e turismo, basicamente material publicitário sob a aparência de notícia. A inclusão de notícias favoráveis a um segmento político ou econômico e a injeção sistemática de doações religiosas numa rede comprometem qualquer noção de liberdade.

Agora o escândalo inglês evidencia outro ponto nevrálgico da comunicação que é a obtenção das notícias. Até que ponto pode-se pagar a funcionários de delegacias, produtores de fotos e vídeos caseiros, conceder notoriedade a aspirantes a celebridades ou, por fim, contratar espiões, o que a alta funcionária de Murdoch alegou ser prática comum entre os jornais ingleses? Os jornais e organizações efetivamente comprometidos com a liberdade de imprensa precisam abrir-se à discussão, e a opinião pública precisa capacitar-se para ela, sob pena de tornamo-nos, envergonhadamente, meros repetidores de escândalos.  E de factóides.


por Maurício de Araújo Zomignani em Julho de 2011

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