segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

CRESCER OU CORTAR CANELAS?

Todo mundo quer mais. Para muitos, no entanto, não basta melhorar a sua vida, o seu aprendizado, as suas conquistas: o que se quer é ser melhor que os outros.

Em termos de renda, há duas verdades na demografia brasileira. A primeira, antiga, é que a classe média tradicional quando melhora, melhora pouco. Até uma década atrás, é verdade, era pior, o poder de compra da classe média só fazia diminuir. A segunda verdade, no entanto, é nova, e vem surgindo também de uma década para cá: trata-se do significativo crescimento da classe C.

Entre 2010 e 2011 as classes A e B apontaram um pequeno recuo, o primeiro desde 2003, sendo que 237 mil pessoas deixaram as camadas mais abastadas rumo à classe média (FGV, 2011). Já em relação à classe C, hoje 105,4 milhões, 55,05% da população, o segmento só cresce e não só quantitativamente. Pesquisas recentes apontam que 63% das pessoas matriculadas em faculdades são da classe C (Data Popular, 2011).

Como estarão se relacionando esses dois maiores segmentos populacionais da sociedade brasileira? Segundo pesquisa recente do Data Popular, especializado no segmento, 48,4% dos consumidores da classe média tradicional acham que houve uma piora na qualidade dos serviços depois que a população emergente passou a frequentar novos lugares. Reclamam, 62,8%, do aumento da fila nos cinemas, 55,3% consideram que deveriam ser oferecidos produtos diferentes para ricos e para pobres, 49,7% deles preferem ambientes com pessoas de mesmo nível social. Para 16,5% dos integrantes da classe média tradicional, pessoas malvestidas deveriam ser barradas em alguns lugares; 26,4% acham que a existência de estações de metrô aumenta a frequência de pessoas indesejáveis e, para 17,1%, todos os estabelecimentos deveriam ter elevadores separados.

Pode-se estar disseminando uma perigosa distorção da realidade. Apenas entre 2010 e 2011, a classe C deve a maior parte de seu crescimento à ascensão da população de classes mais pobres --1,4 milhão saíram da classe E e 356 mil saíram da classe D. Além disso, "em uma década, a renda real per capita dos mais ricos no Brasil cresceu 10%, enquanto a dos mais pobres aumentou 68%", destacou o economista Marcelo Neri, da FGV. Por que um tão significativo movimento de democratização da riqueza nacional poderia gerar resistências? Que tipo de atitude seria capaz de cegar parte da minoria ao fato de que sua vida tem melhorado pelo simples fato de que a vida dos mais pobres melhorou ainda mais?

Renda não é o melhor espelho da vida. Mas, porque pode nos ajudar a pensar sobre a realidade que vivemos, e repensar nossas atitudes quanto à sociedade que queremos, vale a pena refletir sobre o que têm apontado as pesquisas, a internet, as ruas. Todos têm o direito de evoluir, mas evolução jamais poderá se dar pela diminuição de alguém. Na construção da sociedade de paz que almejamos, precisamos saber que evoluir de verdade só pode ser com os outros, aceitando, estimulando o crescimento daqueles que estão abaixo, e mesmo colaborando ativamente para isso.  

por Maurício de Araújo Zomignani em Novembro de 2011 

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