domingo, 16 de fevereiro de 2014

JUVENTUDE: PROTESTO, LAZER OU CRIME?


Erro grave esse de chamar o que aconteceu no supermercado em Santos de rolezinho. Qualquer pessoa lúcida sabe que o nome do ocorrido é arrastão, evento com clara finalidade de roubo, agressão e depredação, enquanto o primeiro tem foco no lazer, no consumo, no encontro.

Já vivemos numa sociedade fracionada por muros que separam pessoas de acordo com o nível de renda, na qual a mais poderosa força que os ultrapassa é a mídia. Se ela fala há tantas décadas, inclusive à massa com menor poder aquisitivo, que a realização será encontrada por trás dos muros dos que mais consomem, fabrica, inevitavelmente, uma enorme vontade de pular muros.

Muito suscetíveis ao apelo do consumo e com uma evidente necessidade de autoafirmação, os jovens vêm sendo protagonistas sociais, políticos e econômicos ainda mais destacados do que sempre foram. Se alguns escolheram as ruas para se manifestar, outros têm como foco os símbolos do consumo.

Mas a mente humana também tem fronteiras, sabem os que lidam com o comportamento. Não é porque foram inoculados com frustração irresponsavelmente pela publicidade – insatisfação multiplicada pela falta de espaços esportivos, culturais, profissionais – que todos os jovens de baixa renda dispõem-se a invadir shoppings às centenas, correr, gritar para dizer, sem falar: quero consumir, e existir.

São ainda em número muito menor aqueles que se dirigem a supermercados para roubar e agredir. É preciso atravessar outra fronteira do comportamento humano para chegar à infração e à violência mas, precisamos ficar alertas, os movimentos de  jovens partem de uma mesma insatisfação, frustração e necessidade de serem reconhecidos, de terem espaços de realização.
A postura das instituições, dos meios de comunicação e da classe média pode reconhecer a diferença dos grupos, colocar-se diferentemente, agir pedagogicamente, ou juntar tudo, apavorados, como fossem eles uma ilha de incluídos e cidadãos cercada de criminosos por todos os lados, tornando essas relações sociais uma guerra sem vitória possível.

É preciso perceber a importância de cada passo e das nossas atitudes. Os próprios supermercados e shoppings têm sido mais lúcidos que muitas discussões pela internet e pelas ruas. Falta exigirmos, toda a sociedade e com urgência, políticas públicas que acolham a energia da juventude e estimule-a a caminhos de realização e transformação crítica da sociedade, em relação à qual os adultos também estão muito insatisfeitos, mas já sem tanta dessa importantíssima energia de mudança. 

Conta-se que um índio, ao falar da natureza humana, disse que trazia dentro de si dois cachorros: um era manso e fiel, outro violento e imprevisível. Seu interlocutor, impressionado, perguntou-lhe qual dos dois prevaleceria, ao que ele respondeu: aquele que eu alimentar. Pois quem agir com a juventude como se ela fosse um risco para si, estará transformando-a, em reação, numa ameaça real, numa aspiral de medo e dor.  
Protestos, lazer ou crime? A resposta, a ser dada pelos jovens, depende de uma atitude adulta agora.

(por Maurício de Araújo Zomignani em fevereiro de 2014)

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